sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Ave, César!


Ontem, 18 de dezembro de 2008, o nosso amigo César Saraiva Gonçalves teve o seu belíssimo conto "Batem à Porta" publicado pela primeira vez! Foi na revista da Fundação Cultural de Curitiba.
Nós te saudamos, César, aqui do Bairro Novo! Parabéns!!!!
(E segue o conto, é claro, para apreciação geral...!)

BATEM À PORTA

(conto, por César Augusto Saraiva Gonçalves)

Sobressalta-se. Como pode? Não sobrou ninguém! Impossível! Mantinha-se sentada. Braços fazendo um “x” sobre o peito. Ambas as mãos cravando quatro unhas, cada, nos ombros magros. E ainda assim, não sentia nada. Pernas juntas, pés escondidos sob a cadeira de madeira. Corpo ereto e alerta. Cabelo desgrenhado, curto, sujo, como sujos estão seu rosto, suas roupas e o que sobrou de sua casa, tamanha a quantidade de poeira resultante da hecatombe. Foi uma hecatombe? A última notícia que teve do mundo exterior foi quando ainda tinha energia elétrica. Alguém no rádio dizia, aos prantos, que em poucas horas não restaria vida sobre a Terra. Ao fundo ouvia-se a seqüência de explosões e a balbúrdia mundial.

Bateram de novo.

Ai meu Deus! Sobressaltou-se novamente. Mas se sobrou alguém, isso é bom. Ou não? E se for um saqueador? Um estuprador? Lembrou-se de Scarlet O´Hara, mas não tinha uma garrucha. Não tinha nada. Só a ela mesma e aos escombros domésticos. Quase nada restara, aliás, da casa. Tinha a sala e um pedaço da cozinha. O resto desmoronara ao redor fechando-a em praticamente quatro cantos. Luz alguma vinha das frestas das janelas. Só do buraco da fechadura da porta e por baixo dela. Correra para a cadeira com o estrondo e depois ficara ali soluçando, gemendo e vendo tudo se transformar em breu, exceto o buraco e a fenda da porta.
Não teria voz a pessoa que bate? Afinal, por que, por Deus, por que alguém bateria à porta depois de o mundo ter acabado?

Batem de novo.

Queria ter coragem para abrir. Para levantar e abrir. Cada batida, um sobressalto. Um susto! Um misto de esperança e medo.
Os olhos estalados e vermelhos. Lágrimas caíam apenas quando se mexia sobressaltada pelas batidas na porta. É como se estivessem ali paradas, estocadas. Não chorava mais, apenas derrubava gotas já choradas. O resto do tempo, imóvel, petrificada. Então não tinha ela mesma voz para perguntar quem era? Tentou:
- Quem é?
Mas nem ela ouviu. O fio de voz era insuficiente. Teria perdido a voz? Fora atingida e nem percebera? Será que ainda andava? Ainda podia levantar?
Também, de que interessa? Provavelmente nem era uma pessoa. Podia ser um galho de árvore, ou um pedaço da estrutura da casa, movido pelo vento, insistindo na porta. Ventava muito lá fora. E fazia muito frio, pelo que lembrava. Agora, nem isso sentia.
Lembrou também que antes da última explosão estava lá fora pegando lenha para a noite, lutando com a neve, o machado e o pânico. E de repente, o estrondo. Os estrondos. Um atrás do outro. Um mais alto que o outro demonstrando uma seqüência que se aproximava impiedosa. E não via nada, pois no horizonte só cortina de neve suja levantando-se freneticamente em vários lugares ao mesmo tempo. Ensurdecedor, apavorante. Passou a correr sem olhar nem para trás, nem para os lados. As mãos e os braços soltos no ar. Caiu, levantou. Choro. Reza. Gritos de Ai meu Deus, ai minha casa, ai minha porta, tenho que chegar.

Batem de novo.

Então decidiu. Levantou da cadeira e foi tão fácil que se soubesse já o teria feito antes. Teve inclusive a sensação de não dar um passo sequer e sua mão já alcançava a maçaneta. Ainda isso! A porta aberta, o mundo acabado, e a pessoa continua a bater à porta! Nem experimentou a maçaneta!
Ao abrir, incredulidade. O que era aquilo que entrava em seus olhos junto com uma avalanche de cristais uivantes?
Caída à porta viu a figura de si mesma. Ensangüentada. Espelho tridimensional. Parado. Olhos estalados, sem vida. Uma das mãos esticada para dentro da sala. Caíra como uma pedra ao abrir da porta.

Casa de Taipa

Cléssius Zanardini


Minha sina eu vi
Quando na carne
O sol queima
Eu senti.

Poeira alta,
Casa do passado.
Nestes dias
Nestas noites
Sou bem amado.

De mãos calejadas,
Na lida enxadas
Sol a pino
Vigiando meu destino.

Barro úmido
Artesanal.
Minha casa.
Temos fome desigual.

Chão batido
Couro curtido
Terra rachada
Coragem reforçada.

E assim continuo
Ressequida vida.

Secas à outros olhos.
Apenas outro nordestino.
Quem me dera,
Ainda fosse menino.

Menino fosse
Para dizer:
Muito obrigado
Meu pai doce.
Nesta casa de taipa
Que o sonho me trouxe
.